quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Autotransplante V (...)

O fim de semana foi tranquilo, a rotina era sempre a mesma, nada mudava. Acabei por ter a visita da minha irmã, de quem já tinha tantas saudades apesar de falarmos todos os dias pelo skype, não era a mesma coisa. Foi só um bocadinho, mas deu para matar saudades. O pouco cabelo que tinha estava a cair, e lá ficava eu com as peladas que tanto odiava. Pedi ao meu pai para me levar a máquina, e então a corajosa da enfermeira Vanda (que me chamava e chama patanisca) fez-me o favor de tentar melhorar aquelas falhas. Não podia usar gillete, senão era o que fazia para ficar sem nenhum cabelo com a careca a brilhar, mas como por algum motivo podia surgir um corte e não dava jeito nenhum naquela altura, teve de ser assim.
A mucosite entretanto foi passando, e ainda bem pois já estava farta de ir a correr para o meu trono ( a minha sanita fictícia ambulante, inserida numa cadeira) com diarreia logo após ingerir algum tipo de alimentos. Tomar banho era uma canseira, parecia que tinha corrido a meia maratona em sprint. Os valores das análises continuavam baixos, por isso não ia ter alta nessa semana. Nessa semana, um dia à noite, conheci o tal rapaz que estava no quarto ao lado do meu... Ele saiu do quarto por uns minutos para dar um olá a uma senhora que também lá estava internada. Era o Luiz, cabo verdiano... Passou tão rápido que só tinha a noção que ele era alto. Entretanto adicionámo-nos no facebook e começámos a falar. Não se passou nada de especial durante a semana, era o de sempre... visitas da mãe e da avó, conversa e brincadeiras com as enfermeiras e auxiliares, a infecção no ponto do cateter estava quase boa, tudo a correr nas normalidades. Tinha tantas saudades da comida da minha mãe, só me apetecia lasanha!

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Autotransplante IV (...)

Na segunda-feira seguinte, comecei a ter imensa comichão num ponto do cateter. Comecei o antibiótico depois de almoço. As análises continuavam com níveis baixos.. e a Lisa continuava a ser a minha enfermeira das manhãs, e com quem também falava bastante. A Filipa sempre que podia, passava por lá para
metermos a conversa em dia e ouvirmos umas musiquinhas giras. Sentia-me bem, apesar de me continuar a cansar com o mínimo de esforço. O meu almoço passou a ser bananas.. estava farta de pão com manteiga! ( Ainda hoje não posso ver bananas à frente) Ia ser a semana das visitas, sabia que iam mais pessoas do que o habitual. Na terça-feira era dia de sessão fotográfica... e supostamente de sessão de cinema à noite com a Patu, que até levou as pipocas ( pipocas essas que eu supostamente não devia comer, mas que acabei por comer uma ou outra). A sessão fotográfica deu-se de manhã, à tarde e à noite... À tarde, tal como prometido, a Tânia que sempre que ia visitar a mãe dela que estava no quarto ao lado do meu no meu 2º internamento me dizia olá, foi-me fazer a visita! O pouco cabelo que tinha começava a cair de novo, então pedi para que o rapassem... A corajosa foi a Vanda, que me chamava e chama pataniska, ao que eu acho imensa piada. A Gigi ( uma auxiliar), regressou de férias, e foi a minha salvação! Podia comer torradas e não sabia... tão bom! Em vez de bananas, passei a comer torradas. Na quarta-feira, era dia de mais visitas... Desta vez foi a Ana Calado que me foi fazer um bocadinho de companhia depois de almoço. Já tinha
mandado um ultimato pela Sandrinha para a Mary Jane... depois da visita da avó e da mãe, e depois de jantar, eis que surge a tão esperada Mary Jane ( de quem tinha tantas saudades) acompanhada pela Ana de novo. Fiquei contente, claro que sim... com elas por perto era só rir. Voltaram a ser minhas enfermeiras por momentos... A enfermeira Miriam, por brincadeira, pediu-lhes que me medissem a tensão, a febre e saberem se tinha dores. Foi engraçado. Na quinta-feira estava tudo na mesma, os valores ainda não tinham subido, eu sentia-me bem tirando o cansaço... resumindo, estava só à espera que os valores subissem para ter alta. Nessa manhã, tive a visita da Gi! Tínhamos combinado pelo facebook no dia anterior, que me ia visitar e levava-me o cd da Lana del Rey numa pen. E assim foi... Era bom saber que a minha passagem não tinha sido em vão e que de alguma maneira se lembravam de mim! Na sexta-feira, a Alison passou por lá também para me dar um olá, mas como eu estava a dormir deixou-me um bilhete todo mimoso que eu deduzi logo que fosse dela. O ponto do cateter já quase que não me incomodava. À noite, uma auxiliar ( que eu chamo de general), a Gina, foi ver a novela comigo... Só mandava piadas, e eu não me conseguia parar de rir. Era uma comédia autêntica! Esperava ter alta na semana seguinte, mas não sabia se os valores das análises o iam permitir.


quarta-feira, 1 de maio de 2013

Autotransplante (...) III

Domingo, segunda e terça foram dias normais... Fazia o habitual, só o que me apareceu foi uma infecção fúngica que passava com uma pomada. Quarta era o grande dia... Acordaram-me, segui a rotina da manhã e depois disso era a hora. Era a enfermeira Lisa, que tinha voltado de férias há poucos dias, que ia
acompanhar o transplante. Era um processo muito simples... Ela vestiu uma bata, sentou-se numa cadeira ao pé da minha cama e o líquido começava a entrar pelo cateter. Era como se fosse soro, a única diferença é que eram as minhas células com um líquido conservante. Se bem me lembro, a cor era assim tipo um vermelho pálido. Ao fim de uns minutos comecei a sentir um sabor esquisito e uma comichão na garganta, mas era normal por causa do conservante. Aquele processo foi rápido, acho que levei 3 ou 4 sacos daqueles com as células e nem 1h demorou. Já estava, agora era só esperar que as células actuassem devidamente. Uma auxiliar ia supostamente entrar no meu quarto para me ver, mas assim que abriu a porta disse " Ai, cheiras tanto a transplante". Acabou por nem entrar, e eu fiquei um bocado à toa, porque a mim não me cheirava a nada. ( mas agora, depois de umas visitas ao serviço, percebo que ela tinha razão. Quando há transplante fica por lá um cheiro, que eu associo ao sabor que senti.) Na quinta comecei a ficar com mucosite por causa da quimio, já estava à espera disso porque também me tinha acontecido na primeira quimio. Colocaram-me um penso com morfina para não ter dores, mas nem um dia aguentei aquilo. Comecei a ficar com náuseas, pedi para me tirarem o penso, preferia ter dores na garganta e na língua do que ter náuseas, se nem a quimio provocou isso não ia ser um penso que me ia fazer estar desconfortável. Com o passar dos dias ia ficando cada vez mais cansada... o valor das análises continuavam a descer, todos os dias perguntava como é que estavam os valores porque só podia ter alta quando eles começassem a subir. A hemoglobina e as plaquetas estavam tão baixinhas que tive de levar sangue e plaquetas também. No dia do jogo de Portugal queria era ter companhia para ver o jogo. Os enfermeiros tentaram despachar o que tinham para fazer, e de repente o meu quarto virou uma bancada de um estádio... puxaram cadeiras e ali estávamos todos a ver o jogo. Já perto da hora da mudança de turno, o jogo já estava em penaltis, e o Pedro chegou. Vinha quase a correr, via-se na cara dele que estava em sofrimento... Ele tapava os olhos, ele pulava... Foi o momento na noite, um fartote de rir. O fim de semana passou-se normalmente, mas tive a visita da minha irmã que era a pessoa de quem tinha mais saudades. Na semana seguinte é que esperava mais umas visitas, tanto dos meus amigos, como de algumas enfermeiras.

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Autotransplante (...) II

Era quarta feira e a alvorada matinal continuava... era o dia do início da quimio. A rotina era sempre a mesma todos os dias. Depois de tudo feito, com o cateter a funcionar na perfeição, era hora de fazer quimio! Só me lembro de acabar muito rápido, nem sei demorou 1h. Pensava que desta vez ia passar mal, porque a quimio era mais forte do que aquela a que eu estava habituada e já estava preparada para isso.
Passado um bocado, comecei a sentir os dedos a incharem e quando me olhei ao espelho reparei que a cara também estava a ficar. Estava a ficar desconfortável, continuava a inchar... chamei o Pedro e ele é que me disse que estava a fazer retenção de líquidos. Fora isso, estava tudo bem... parecia uma criança a olhar para o penso do cateter, parecia que tinha um brinquedo novo. O Pedro era muito brincalhão, e arrastava com ele a enfermeira Paula... conclusão, as manhãs eram sempre uma animação. As visitas eram sempre as mesmas, mãe e avó ( às vezes o pai também) e alguns amigos porque era Verão e estava tudo de férias. Depois de jantar, a enfermeira Ana Teresa foi-me levar o comprimido que eu me recusava a tomar porque no dia a seguir ficava cheia de sono, e trouxe-me também a pílula, que ia começar a tomar para não ter menstruação. À noite não aguentava mais o inchaço, chamei a Filipa e pedi que me desse alguma coisa para aquele incómodo passar. A única solução era o lasix, que fazia com que eu fosse fazer xixi de 5 em 5 minutos... como era de noite, já sabia que ia passar a noite naquilo mas não me importava, desde que melhorasse. No dia seguinte já estava um bocadinho melhor mas ainda era incomodativo. Havia mais quimio para fazer antes de almoço. A Sandra passava lá para me dar um olá quando podia, já era mais um bocadinho de companhia. Na sexta feira tive direito a mais uma dose de quimio, e para meu espanto ainda não tinha sentido nenhum efeito secundário até ao momento. Mas nessa tarde, comecei a ficar com frio, estava a ficar com febre de certeza. A Telma veio-me dar a medicação necessária para passar, mas a febre voltou depois do efeito passar. Tinha de colher sangue, do cateter e de uma outra veia, porque podia ser uma infecção derivada ao cateter ou podia ser só da quimio ( há sempre o risco de infecção no cateter, mas claro que fui informada desses riscos). Entretanto a febre passou e o resultado das análises sairam, era só da quimio. No sábado fiquei a dormir até um pouco mais tarde, não haviam médicos a correr nos corredores nem a visitarem os doentes... só não havia folga para a quimio. Comecei a aperceber-me que estava no quarto ao lado do meu, um rapaz assim novo como eu, ouvia os enfermeiros a falarem com ele e a ele próprio a reclamar de o acordarem cedo. Apesar de estar naquele serviço, mantinha sempre contacto com as pessoas da pneumologia como as do serviço ao lado. Nesse dia tive umas visitas extra, a Vivi e a Sandra Gato da pneumo foram-me visitar. Oh, é claro que tinha saudades delas... foi com elas que estabeleci o primeiro contacto nesta caminhada pelo hospital e sentia-me feliz por saber que se importavam comigo e que se lembravam de mim, tal como eu delas. O inchaço começou a passar ao longo do dia, e consegui dormir confortável, caminhando assim para o dia do transplante.

Autotransplante (...)

Ligaram-me do hospital no dia 14 de Junho. Tinha de lá estar no dia 18 por volta das 13h... e assim foi, lá ia
eu de mala feita outra vez. Quando cheguei tive de ir fazer um raio x antes de ser internada, acho que era para eles terem uma referência qualquer do antes e do depois. Fiquei à espera até as 17h para ser internada ( o que até foi bom porque deu para comer comida da boa antes), e foi aí que o enfermeiro André me veio chamar. A minha mãe entrou comigo, para conhecer os meus novos aposentos... o quarto desta vez tinha uma bicicleta daquelas de fazer exercício, confesso que achei piada. Não me iam colocar o cateter central naquele dia, só no dia seguinte ( respirei de alívio, não gostava nada daquela ideia), mas como estava internada tinha de meter um acesso na mesma. Lá veio o André procurar uma veia que não se escondesse... picou uma mas eu avisei-o logo que aquela não ia dar ( eu, a profissional de veias), mas mesmo assim ele tentou embora depois conclui-se que eu estava certa. No dia seguinte o Dr.Raul colocava-me o cateter e na quarta começava a quimio antes do transplante que seria na semana seguinte. Aquele resto de dia passou rápido, quando reparei já era terça de manhã quando me acordaram por volta das 9h (era cedíssimo para mim) para mudarem os lençóis da cama, tomar o banho à gato ( acho que já sentia falta de um chuveiro e ainda nem um dia tinha passado) e tomar o pequeno almoço. A minha sorte é que estava quase carequinha, senão era um trabalhão para lavar o cabelo sem um chuveiro. Depois de tudo feito e ainda antes de almoço, o Dr. Raul chegou com o Pedro para fazerem a maldade. Lá veio a pica da anestesia local, e depois uma pica mais forte ( que era o cateter, a ponta daquilo parecia a ponta dos pauzinhos do chinês), doeu um bocadinho mais do que esperava mas suportava-se bem. Teve de voltar a fazer o mesmo porque o primeiro não ia na direcção certa e, de repente, comecei a sentir o coração a bater mais depressa, o que significava que já tinha encontrado a veia certa e pronto... 3 pontinhos e já estava. O que me passou semanas a atormentar estava concluído, e agora já não precisavam de andar à procura das minhas veias fugitivas. Ainda tive direito a ir dar um passeio até ao piso do raio x para fazer um, para terem a certeza que o cateter estava bem colocado ( como ainda não tinha começado o tratamento não havia problema em estar em contacto com outras pessoas). E como já era costume, não conseguia comer a comida de lá, só o cheiro me enjoava. Só o que ainda conseguia comer era a canja e o pão com manteiga. Tinha muita coisa com que me entreter, tinha a televisão, o computador, o quarto só para mim... era quase como se tivesse em casa. Um dos únicos inconvenientes era quando vinham colher sangue as 6h, mesmo que não fizessem barulho ao entrar, acordava sempre quando me destapavam para ficar com o cateter de maneira a que eles pudessem fazer a recolha.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

3º internamento


Após ter tido a alta do 2º internamento, tive de voltar ao hospital como combinado na sexta para fazer a TAC... depois de a fazer, fui à farmácia do hospital buscar as picas ( factores de crescimento) para administrar na barriga ( tal como as outras que fiz) 5 dias antes da data prevista para a colheita das células. Haviam duas coisas que me assaltavam o pensamento... ter de mudar de novo de serviço e terem de me meter um catéter femoral. A colheita estava marcada para os últimos dias do mês de Abril, e eu só queria que os dias não passassem depressa. Quando comecei a fazer aquelas picas novas ( e finalmente tive de parar as outras porque como era um anti coagulante, podia ter uma hemorragia quando me metessem o cateter) tive dores horríveis nos ossos, já nem sabia onde me doía... já nenhum comprimido fazia efeito. O derradeiro dia chegou e lá fui eu... Ainda encontrei a Mary para lhe dar a prenda de anos dela à porta do serviço, sabia que elas iam estar ali ao lado... A Sandra levou-me até à unidade, apresentou-me os enfermeiros de serviço e mostraram-me o meu quarto... sim, eu tinha um quarto só para mim! Tinha uma tv daquelas tipo plasma, com mais de 4 canais, tinha internet também... tudo! O único inconveniente é que era uma área de isolamento, ou seja, não podia sair do quarto, não podia ir à casa de banho e o banho tinha de ser uma lavagem tipo à gato... péssimo!Ah, e não podia usar pijamas meus, só os do hospital... No dia do internamento não me fizeram nada, só um monte de perguntas à entrada, o enfermeiro Pedro era quem ficava comigo nesse dia e eu gostei, era bastante divertido.. No dia seguinte depois de tomar o pequeno almoço tinha então de deixar fazerem-me a maldade. Era o Dr. Raúl, e segundo toda a gente naquele hospital, é o melhor dos melhores no que faz... O Pedro ficou a ajudar o Dr. e lá teve de ser... tanto medo que eu tinha e no fim, quando percebi que não me estavam a fazer mais nada, perguntei : " Então mas já está? É só isto?". Eles começaram-se a rir e disseram que sim... a coisa que eu tinha mais medo, quase que nem dei conta que o estavam a fazer. Ia para a colheita das células de manhã cedo durante umas 3h, chegava lá à imunohemoterapia e dormia o tempo todo até voltar ao quarto. Aquele quarto tinha outro privilégio... à noite, conseguia ver as enfermeiras do outro serviço, as minhas amigas, o que era reconfortante. O horário de visitas era diferente, era menos tempo, mas mesmo assim tive a visita dos meus amigos e os meus pais como sempre, iam todos os dias. Na unidade tinha de se entrar com uma bata azul e uma máscara, porque é onde os doentes estão com as defesas mais em baixo devido aos transplantes... era uma barrigada de rir sempre que entrava um amigo meu ou os meus pais, pareciam todos médicos! No último dia que recolhi células tive de levar um "bife" ( é o que costumo chamar a uma transfusão de sangue ), porque devido à recolha, a mina hemoglobina baixou, o que é perfeitamente normal. Depois disto tudo, era hora de tirar o catéter femoral, doeu mais a tirar os pontos do que a meter o catéter em si.. Foi a enfermeira Mafalda que o fez, e meteu um peso sobre a veia um quanto tempo para não haver hemorragias. Depois do penso feito, era hora de voltar para casa e esperar por resultados, para sabermos o que fazer a seguir, desta vez sem as picas na barriga. Mas antes de sair do hospital, não podia falhar com a visita às enfermeiras do lado como sempre...